Justiça revê processo de crianças e adolescentes abrigados

20-04-2011 22:32

 por Valeria — 15/04/2011 11:36

Meninos e meninas que estavam vivendo em instituições de acolhimento puderam retornar às suas famílias graças à mobilização de juízes da infância e juventude de todo o Brasil

por Recriando, organização integrante da Rede ANDI Brasil no Sergipe

Todos os meninos e meninas têm direito a serem criados e educados de maneira saudável no seio de sua família e a interagirem em sua comunidade. É o que garante o Artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Buscando assegurar o que já está previsto em lei, mais de sete mil crianças e adolescentes que viviam em abrigos puderam retornar às suas famílias graças à mobilização de juízes da infância e juventude de todo o Brasil, que nos últimos seis meses revisaram a situação de meninos e meninas que se encontravam nestas condições. 

As mobilizações iniciaram a pedido da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), às Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça de todos os estados do Brasil, que solicitou a aplicação das medidas presentes na Instrução Normativa No. 2, publicada em junho de 2010. 

O documento recomendou a revisão de processos de crianças e adolescentes que se encontram em instituições de acolhimento, reforçando assim a medida já prevista no artigo 92 Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual essa reavaliação deve ser realizada a cada seis meses. 

A instrução normativa prevê também que os Tribunais de Justiça devem verificar se todas as crianças e adolescentes acolhidas estão recebendo atendimento individualizado e, na medida do possível, e tendo suas necessidades e de suas famílias atendidas. Para suprir carências das equipes multidisciplinares no desenvolvimento das atividades, a Corregedoria Nacional de Justiça recomendou que os Tribunais de Justiça firmassem parcerias com o Poder Executivo Municipal, o Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar, Faculdades e Universidades.

Por que desabrigar?

De acordo com a legislação vigente, o acolhimento institucional é uma medida de proteção, provisória e excepcional, que deve ser aplicada apenas em casos de violações de direitos mais graves, que expõem crianças e adolescentes a situações de risco pessoal, familiar ou social. De acordo com o Artigo 19 do ECA, “A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária”.

Uma das principais razões que contribuem para o caráter de provisoriedade do abrigamento é o desenvolvimento psicológico das pessoas que se encontram nesta situação, uma vez que, ao ser inserido neste ambiente, o indivíduo passa a conviver com “desconhecidos” e vivenciar experiências descontextualizadas da sua realidade, passando assim a administrar suas emoções de maneira diferente do que estava acostumado, podendo passar a reprimi-las ou perder o controle sobre elas. A questão se torna ainda mais delicada se levarmos em consideração as crianças e adolescentes nesta situação, uma vez que eles são indivíduos em fase peculiar de desenvolvimento que necessitam mais de referências e de se sentir acolhidos no primeiro ambiente que os recebeu, que é a família. 

Os abrigos deve possuir uma estrutura organizada e conseguir temporariamente suprir as necessidades básicas do seu público atendido, além de oferecer uma equipe multidisciplinar para o atendimento psicossocial e individualizado daqueles que lá vivem. No entanto, mesmo que as relações entre profissionais das instituições e as crianças apresentem um alto grau de afetividade, é inegável que esta aproximação não substitui as relações familiares. Além da falta das figuras paternas e maternas na formação do arcabouço psicológico da criança, a ausência de vínculos afetivos duradouros e a perda da individualidade também impactam diretamente no desenvolvimento da criança.

Outra grave distorção no que diz respeito aos meninos e meninas institucionalizadas é o isolamento e a falta de contato de pessoas do sexo oposto ao ingressar em abrigos apenas para meninos ou apenas para meninas, uma vez que a convivência com pessoas do sexo oposto é um requisito essencial para o desenvolvimento saudável e da ampliação do repertório psicológico do indivíduo. 

Essa situação é ainda mais grave quando um grupo de irmãos é separado ao ser encaminhado para instituições de acolhimento por serem de sexos diferentes. Em geral, em casos de abrigamento, os vínculos familiares ficam muito fragilizados e a manutenção de dois ou mais irmãos juntos é uma forma de fortalecer esta relação, fazendo com que os irmãos funcionem como um ponto de apoio e manutenção dos laços e amenizando a sensação de isolamento causada ao ser separado do ambiente em que se vive.

Sergipe 

Em Sergipe, as audiências de reavaliação no âmbito do Projeto Familiarizar tiveram inicio na última quinta-feira, dia 7, na Casa Santa Zita, e prosseguem até 27 deste mês. O suporte e o gerenciamento das audiências são de responsabilidade da Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE). 

As Secretarias Municipais da Assistência Social e Cidadania, da Saúde e da Educação foram convocadas a participar dessa prática. Em Sergipe, além da comarca de Aracaju, as de Nossa Senhora do Socorro, Boquim, Laranjeiras, Tobias Barreto, Umbaúba e Japaratuba, que sediam entidades de acolhimento, também promoveram a reavaliação da medida de forma concentrada, embora na sede do Juízo.

Leia também: 

Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC)

O PNCFC e um conjunto de normas e diretrizes que refletem a concepção já presente no ECA de que a criança e o adolescente devem, prioritariamente, manter o vinculo com sua família, seus amigos, sua escola e comunidade como forma de se desenvolver de forma saudável, mantendo referencias no seu local de origem. Diversas propostas do ECA refletem essa perspectiva, sobretudo no que se refere ao acolhimento institucional e a aplicação de medidas socioeducativas (já que devem ser priorizadas, na medida do possível, as medidas de meio aberto sobre as de internação). O PNCFC foi aprovado em assembléia pelos Conselhos Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e de Assistência Social (CNAS) em dezembro de 2006, depois de ter ficado disponível para consulta pública. 

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