VIOLÊNCIA Subnotificação traz prejuízos

01-11-2010 21:43

A maioria dos profissionais de saúde omite as situações de violência que chegam aos consultórios

Amanda Alves
Especial para A Gazeta

Os profissionais de saúde de Cuiabá omitem as situações de violência que chegam aos consultórios. Apenas 28 casos de vítimas foram notificados em todo o ano passado, enquanto Polícia Civil registrou 7.243 boletins de ocorrência envolvendo somente idosos e mulheres. Há ainda ocorrências envolvendo crianças e adolescentes. A subnotificação é considerada crime e pode acarretar até pena de prisão aos profissionais que não comunicarem aos órgãos competentes as situações de risco, conforme a legislação.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei das Contravenções Penais e Estatuto do Idoso são algumas das leis que as pessoas têm para serem amparadas. O médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, dentista, psicólogos e assistentes sociais que verifiquem algum caso de situação de risco com pessoas que automaticamente têm direitos especiais, devem comunicar os conselhos específicos e o Ministério Público, mesmo que por desconfiança.

A gerente de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis de Cuiabá, Josiane Maximiano de Jesus Rodrigues, lembra que a orientação para envio das notificações à Secretaria de Saúde de Cuiabá iniciou no ano passado. "Nós só tínhamos o registro de mortes, mas agora queremos começar a pensar em prevenção, de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada", exemplifica.

Com o monitoramento dos registros, a Secretaria Municipal pode enviar semanalmente as informações para o Ministério da Saúde (MS), que poderão ter um desenho da realidade mato-grossense para propor políticas públicas.

Josiane reconhece que a subnotificação é uma realidade entre os profissionais de saúde e orientações estão sendo dadas para que os registros aumentem e se equiparem aos tantos casos que aparecem nas delegacias. "Estamos treinando a rede para que tenham um olhar amplo sobre o paciente, além da doença, pois são os médicos que estão na linha de frente. Existem casos de negligência ou violência psicológica que não aparecem fisicamente e são tão graves quanto pancadas."

Ao todo, 410 profissionais dos 85 centros de saúde da Capital e 6 Policlínicas já foram capacitados para preencherem a ficha de notificação disponibilizada pelo MS, mas há resistência por parte da classe.

Em 2007, uma situação mostrou o quanto os profissionais da saúde estão despreparados para lidar de frente com a violência. Um mulher acompanhava o bebê internado no Pronto-Socorro, quando o marido chegou para visitá-los e deixar fraldas. O homem se descontrolou e bateu na esposa no local. Em uma confusão em que médico, assistente social e psicólogo não sabiam o que fazer, chamaram a coordenadora da Casa de Amparo às Vítimas de Violência Doméstica Celcita Pinheiro, Maria Auxiliadora de Oliveira.

"Em tempo de Lei Maria da Penha, os profissionais têm que saber que devem notificar e orientar o registro do boletim de ocorrência. Nesse caso, pedimos ao delegado que impedisse o marido de entrar no local", lembra Maria.

No dia 4 de outubro, Mariana, 39, passou por caso semelhante. Após desentendimento com o marido e ter sofrido uma pancada com um prato, que lhe cortou a cabeça, a mulher saiu na rua desesperada pedindo socorro. Um policial militar, que passava na rua lhe atendeu e levou ao centro de saúde para fazer um curativo e em seguida, no Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo delito. Procedimentos normais em casos de violência.

Porém, o policial militar não registrou boletim de ocorrência e levou Mariana com 3 filhos à Casa de Amparo para pernoitar. A coordenadora do local não aceitou o procedimento e solicitou o registro antecipadamente. "Ele tinha o dever de levar ela em uma delegacia", explica Maria.

Mariana diz que o marido já responde a processo por conta de maus tratos e inclusive na data estava proibido de ficar perto dela. A distância definida em audiência era de no mínimo 2 mil metros. "Em junho ele tinha me atacado, quase morri. Mas, achei que ele não iria fazer mais, até que ele me tirou sangue. Eu tinha medo e estava muito angustiada na hora, que nem quis ir na Delegacia antes de vir para cá." Da Casa de Amparo, onde mais 5 mulheres se refugiam dos ex-companheiros, Mariana não tem previsão para sair. Somente quando o marido responder ao processo, ela poderá tomar um rumo.

Por conta do incidente, Maria enviou uma carta ao Comando-Geral da PM esclarecendo os procedimentos que policiais devem tomar em casos de Maria da Penha e ofereceu uma palestra, marcada para novembro.

Carla, 21, e na companhia de 1 bebê de 4 meses, também está hospedada na Casa de Amparo devido à violência do ex-companheiro. "O policial me disse que tinha que registrar o boletim de ocorrência e assim fiz, comecei a apanhar dele depois que o bebê nasceu."

Em casos de violência sexual, o Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM) é referência no acolhimento de vítimas. No ano passado, 160 pessoas, em sua maioria mulheres e na faixa entre 11 e 15 anos foram atendidas. Apesar do dado, os números não entram para a estatística que chega ao Ministério da Saúde, devido à resistência.

A assistente social do (HUJM), Zenaide Dantas da Silva, desconhece a necessidade de envio de informações para a secretaria, mas afirma que o Conselho Tutelar é comunicado em casos de vítimas menores de 18 anos. Em relação as demais violências, diz que o procedimento médico é a notificação também. "O Código de Ética prevê isso, acredito que eles têm responsabilidade." Uma ficha-modelo para ser preenchida pode ser encontrada no site do Ministério da Saúde.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso, Arlan Azevedo Ferreira, analisa que a subnotificação acontece por falta das pessoas irem aos consultórios. "Ninguém avisa ou fala, o profissional acaba não sabendo das situações de violência."

Conforme os dados deste ano, a violência física aparece como a principal causa de notificação, seguida da violência sexual e violência psicológica. As pessoas que mais aparecem nas notificações são de bairros como Pedra 90 e Osmar Cabral. De janeiro a agosto deste ano, apenas 27 casos foram notificados em toda Capital.

A Lei 10.778 obriga os serviços de saúde públicos ou privados notificarem casos suspeitos ou confirmados de violência contra a mulher, assim como o ECA para crianças e adolescentes. Neste caso, consta no artigo 245, que a omissão pode acarretar multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. O Estatuto do Idoso prevê que a denúncia seja registrada no Conselho do Idoso, Ministério Público e Delegacia de Polícia. A pena varia entre R$ 500 e R$ 3 mil reais.

 

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