O círculo de compromisso como ritual de passagem durante a execução da medida socioeducativa

15-09-2010 20:29

  Maiana Ribeiro Rodrigues Psicóloga, Psicoterapeuta, Especialista em Psicologia Jurídica e em Avaliação Psicológica

Desde 2009 foi instituído o programa ‘RS Socioeducativo' no âmbito da Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social e, a partir disto, os jovens egressos da Fundação de Atendimento Sócio Educativo (FASE RS) passaram a receber mais um estímulo em seu retorno à convivência social, comunitária, ocupacional e familiar.
Quando do planejamento de seu desligamento da FASE - dentro do Plano Individual de Atendimento (PIA egresso) - é oferecida ao jovem a oportunidade de inserção naquele programa, por meio do qual iniciará um curso profissionalizante - que ele escolhe de acordo com sua escolaridade e interesse pessoal -, e receberá, ainda, um apoio financeiro. Observados alguns requisitos, o jovem passa a fazer parte do Programa.
Uma das últimas etapas do PIA é a audiência judicial de reavaliação do jovem e as propostas e planos nesse momento apresentados são traçados em um encontro a que se denomina ‘círculo de compromisso', com a utilização de metodologia da Justiça Restaurativa. Trata-se de um momento formal, no qual o jovem e sua família são chamados a comparecer, assim como membros da comunidade, trabalhadores da rede de atendimento à criança e ao adolescente e um membro de cada instituição conveniada ao Programa.
Pretende-se aqui apresentar algumas reflexões sobre a potencialidade destes momentos, reflexões estas realizadas a partir da experiência como coordenadora de círculos de compromisso desde 2009.
Após vivência em vários círculos de compromisso com uma variedade de participantes, podemos afirmar que é a família a força primária que move esse momento. São flagrantes as diferenças no uso que as pessoas fazem deste espaço. Algumas famílias apenas ‘passam' pelo círculo, outras aproveitam este momento como um verdadeiro ritual de passagem que precede o desligamento do adolescente.
Vamos recorrer à teoria dos Sistemas, para auxiliar nesta reflexão. Alguns experientes terapeutas de família afirmam que rituais como reuniões familiares podem ajudar na resolução de conflitos e podem ser considerados oportunidades de ouro para induzir uma mudança. Estes autores endossam o papel fundamental da família nestes momentos: "A família determina a qualidade emocional dessas ocasiões e consequentemente o sucesso da passagem. O papel é tão central que seria correto dizer que a família é que está fazendo a transição para um novo estágio de vida (Edwin H. Friedman in McGoldrick e Carter, 2001)".
Rituais de passagem, na literatura em Psicologia, são normalmente associados a momentos emocionalmente críticos da vida. São eventos e transições de ciclos de vida, tais como casamento, nascimento e morte. Nas mais variadas culturas ao redor do mundo o momento de passagem do adolescente para adulto jovem é frequentemente assinalado com rituais.
Evan Imber-Black (in McGoldrick e Carter, 2001) apresenta um conceito muito interessante: "O ritual pode ser definido como o drama visível e condensado das transições de ciclo de vida que ele assinala".
Assim, podemos pensar que cada ‘círculo' é único e seu andamento e aproveitamento vai se delinear a partir das características individuais daquele grupo que se constituiu. Os ‘círculos de compromisso' são rituais que celebram a passagem na trajetória de vida dos adolescentes, a passagem para a liberdade. Em muitos casos o "drama familiar" vem à tona no momento do ‘círculo de compromisso', muitas palavras significativas são ditas, muitos sentimentos são expressos, muitos planos são traçados e ocorre um pacto, um compromisso conjunto, desenhado em apoio a este adolescente, que naquele instante, na presença dos membros participantes, vê concretamente uma rede de apoio ao seu redor.
No momento do ‘círculo' apregoam-se os princípios da Justiça Restaurativa, cada participante entra com sua humanidade e se conecta com a humanidade do outro. Relações significativas podem ser estabelecidas e/ou restabelecidas quando isto consegue ser alcançado. O poder do ritual, do qual nos falam os teóricos, opera de modo a levar o processo a um ponto culminante e a partir daí demarcar o início de uma nova fase no ciclo de vida da família. 
Os profissionais da rede de atendimento à criança e ao adolescente também são peças-chave neste processo. Algumas vezes foi possível constatar que a conexão que se estabeleceu entre o educador da instituição conveniada e o adolescente é fator que determina a aceitação das normas do programa, influenciando também na futura adesão e freqüência naquela instituição. A presença de profissionais da rede de atendimento contribui muito para a qualidade do compromisso/plano já que é neste círculo que o profissional poderá ter contato mais direto com as necessidades do adolescente e dos membros da família, podendo pensar em ações que sejam adequadas a cada caso. Autores utilizados no estudo da Justiça Restaurativa afirmam que compartilhar a sua história com os demais membros em um círculo, e ser escutado, contribui para a autoestima do jovem, que se sente compreendido e respeitado (Kay Pranis).
Importante atentar que o círculo não é eficaz em si mesmo, pelo contrário, seu efeito é determinado por inúmeros fatores, principalmente por fatores que já vinham se desenvolvendo dentro do sistema emocional da família. Seu efeito é determinado também pela qualidade na execução da medida socioeducativa cumprida até então pelo adolescente, e pela eficácia das ações postas em prática no Plano de Atendimento ao longo da medida na FASE.
Podemos concluir que o ‘círculo de compromisso' pode representar a cerimônia e o ritual, na medida em que conseguir colocar o adolescente, os membros da família, da comunidade, da rede de atendimento e das instituições conveniadas em um contato consciente, estabelecendo conexões significativas uns com os outros e um pacto capaz de vir ao encontro das necessidades do adolescente.  

Referências Bibliográficas:
Brancher, Leoberto & Silva, Suziâni (orgs). Justiça para o século 21: semeando justiça e pacificando violências / secretaria especial dos direitos humanos da presidência da república. Porto Alegre: Nova Prova, 2008.
Lei nº 13.122 de 09 de janeiro de 2009 - disponível em www.al.rs.gov.br/legis
McGoldrick, M. & Carter, B. (orgs). As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artmed, 2001
Pranis, Kay. Justiça Restaurativa: revitalizando a democracia e ensinando a empatia. In: Slakom, C. et al (org). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça, 2006. 

 

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